top of page

CONCURSO LITERÁRIO

PROFESSORA ROSINDA

DE OLIVEIRA

4ª EDIÇÃO

2021/22

JMB-25-anos.jpg

APOIO

PAULO
PEREIRA
VIEGAS

1º PRÉMIO
3º ESCALÃO

VENCEDORES

2º ESCALÃO

1º PRÉMIO . MARIA DO MAR MAGALHÃES . Amizade em tempos de guerra

2º PRÉMIO .  SARA SOFIA CANDEIAS . Uma aventura à caça do tesouro do arco-iris

3º PRÉMIO .  JÉSSICA RIBEIRO DA SILVA . Uma questão de sorte

3º ESCALÃO

1º PRÉMIO .  PEDRO PEREIRA VIEGAS . As dimensões do medo

2º PRÉMIO .  CARLOS CÉSAR SILVA. Eu, Prometeu.

3º PRÉMIO .  ADRIANA DRUMONDE. Água fresca

os textos vencedores

PEDRO PEREIRA VIEGAS

1º PRÉMIO 3º ESCALÃO

As dimensões do medo

Decorrera mais de uma hora desde que se sentara. Pessoas que nunca antes tinha visto questionavam-no sem que o deixassem contrapor. Outras, que também não conhecia, respondiam por ele, falando de temas que lhe eram estranhos. Agitou-se na cadeira. Começava a ficar cansado de estar naquela imobilidade. A escuridão cercava-o. Não conseguia identificar nada em seu redor. Esquecera as razões que o tinham levado àquele local. Que o haviam conduzido junto dos que o rodeavam. Distinguia alguns vultos sem rosto, mais próximos de si, sentados, tal como ele. À sua frente, estavam as outras pessoas que falavam dos assuntos que ele não entendia. Mexeu-se mais uma vez na cadeira expondo o seu desconforto. Estava farto de ali permanecer, sempre calado. Talvez fosse melhor ir-se embora. Não estava a fazer nada de interessante naquele lugar, afogado num oceano de escuridão. Começou a erguer-se apoiando as mãos nos braços do assento e pondo-se de pé. Um homem que estava de pé, à sua frente, gritou-lhe: – Quieto! Deixou-se cair no assento. Surpreendido, mais do que assustado, questionando-se porque não o deixariam partir. Olhou o homem que falara. Estava mais adiante, apontando-lhe uma arma. – Quieto! Não volto a repetir! Na próxima vez é a arma que irá falar! Se não me percebes a mim, vais entender o que ela tem para dizer! – Reforçou o indivíduo. Ficou de olhos escancarados, fitos na arma que ele lhe apontava para o peito. Porquê? Porque estava a viver aquele pesadelo? – Confessa que foste tu! – Disse-lhe o homem desconhecido. Depois elevou a voz. – Confessa! Assume os teus atos! Fechou os olhos numa tentativa de fuga à realidade que o invadia. Tentou mais uma vez recordar-se das suas últimas ações. Teria feito algo de muito grave? Teria cometido algum crime? Não se recordava. Sempre fora um cidadão exemplar e cumpridor de todas as normas e preceitos. Pagava os impostos, não ultrapassava os limites de velocidade, não queimava os sinais vermelhos, não matava e não roubava. Teria que ser um grande equívoco o que lhe estava a suceder. Um terrível engano. O melhor seria tentar dialogar com quem o acusava. Não conseguiu iniciar o que pretendia dizer. O diálogo pensado para esclarecimento morreu antes de nascer. – Confessa, verme! Se até aí apenas sentira espanto, o medo começava a nascer. Uma sensação de vazio no estômago, que foi trepando pelo esófago, até se enovelar na garganta num nó doloroso. Perdera a voz. Nem que lhe ordenassem para falar, o conseguiria fazer. Não tirava os olhos da arma que silenciosamente o vigiava. Começou a sentir-se transpirado. – Foste tu que os mataste, não é verdade? – Perguntou o homem armado. Abriu a boca, mas as palavras que queria dizer afogaram-se no ar que entrou. Nunca matara ninguém. Nem as moscas matava. Tinha nojo delas. Suava cada vez mais, criando o incómodo da roupa húmida colada à pele quente. – Quieto! – Gritou-lhe o homem, – fica quieto! Não se mexera, mas o homem avisava-o antecipadamente que qualquer movimento estava proibido. Já nem os olhos, parados no espanto e no medo, ousava mexer. Nem com a sua máxima inventiva conseguiria imaginar-se numa situação tão absurda. Seria um sonho? A ideia aliviou-o. Decerto que era um sonho. Um sonho mau. Dentro de momentos acordaria e tudo voltaria a ser normal e simples. Pensou em beliscar-se para ver se sentia dor, ou se a dor o acordaria. Não teve coragem de se mexer, perante a arma e o rosto de olhar ameaçador. Meteu a língua entre os dentes, apertou, apertou, apertou… e começou a doer-lhe. Afinal não era um sonho. Estava a acontecer-lhe de verdade. Era tudo real. Estava a ser acusado de um crime que não cometera. – Foste tu que os mataste! Eu sei que foste tu! Matares uma mulher e duas crianças a sangue frio, ... assassino! – A voz soava firme, mostrando convicção. Descobrira finalmente qual era o crime de que o acusavam. A tomada de consciência do absurdo em que se sentia mergulhado deu-lhe a coragem necessária para gritar. – Não fui eu! Não fui eu! – Chiu! Calado! – Ouviu numa voz de irritação enfadada atrás de si. Recordou então que não estava sozinho frente ao homem que o acusava. Já se tinha esquecido dos vultos que vislumbrara anteriormente. Decerto que estavam todos combinados, ou então não o teriam mandado calar. Deveriam fazer parte do conluio que o acusava. Sentia-se perdido. Começava a perceber o que significava perder a esperança. Era o condenado a caminhar no corredor da morte, rumo ao cadafalso. Sentia que iria morrer naquele lugar. Que se esvairia em sangue perante a insensibilidade de todos os que o rodeavam. Deixou-se afundar um pouco mais na cadeira, como se com esse gesto se pudesse esconder do homem que o acusava. – Sabes que vais morrer? – Disse o homem da arma com um esgar de raiva na face. – Aproveita os teus últimos instantes da vida. Da vida que não mereces viver! Começou tremer e a chorar. Primeiro numa lágrima temerosa e depois num convulsivo choro silencioso. Não entendia. Nada fizera para merecer tal castigo. Queria limpar as lágrimas que rolavam por sob os escuros óculos salgando o rosto, mas não conseguia mexer os braços. – Não tremas! És um cobarde! Não vou sentir pena de ti, tal como tu também não sentiste deles quando os mataste. – Bateu-lhe a voz nos ouvidos, causando-lhe dor como um chicote a bater numa ferida aberta. Não conseguia parar a tremedeira. Tinha medo. Não queria morrer. Não queria ser morto por algo que não fizera. Morrer inocente do crime de que o acusavam. Morrer acusado de um delito que não cometera. Viu o homem apontar a arma cuidadosamente para o seu coração. Viu o dedo curvar-se sobre o gatilho, numa lentidão agonizante... curvar-se, curvar-se... e... ouviu a detonação. Expirou o ar que os seus pulmões continham – nem ele sabia há quanto tempo se esquecera de respirar – quando não sentiu nada. O homem falhara. Iria disparar novamente? Quase de certeza. Escapara uma vez, mas dificilmente escaparia da próxima. O homem virou-lhe as costas. Parecia ter desistido. Viu-o afastar-se, caminhando lentamente, com a arma pendendo-lhe da mão que roçava a anca. Alguém acendeu as luzes. Olhou em redor e viu os vultos tomarem formas bem definidas, levantando-se das cadeiras onde estavam sentados. A sessão de cinema em três dimensões terminara

MARIA DO MAR MAGALHÃES

1º PRÉMIO 2º ESCALÃO

Amizade em tempos de guerra

O dia amanhecera com sol na Síria, no entanto, o fumo provocado pela guerra tapava tudo o que era bonito de se ver nos últimos tempos. Da janela, Peter olhava atentamente o que se passava no exterior. Tinha medo e sabia que, se saísse pela porta da sua casa semidestruída, acabaria como os seus amigos e familiares, soterrado no meio dos escombros. Só queria fugir daquele lugar, agarrado ao seu boneco favorito, oferecido pelo pai, antes da guerra. Era uma mistura de nostalgia, medo e amargura o que se assistia na rua, no céu e nas casas e prédios destruídos… e centenas de pessoas tentando fugir. Vendo este caos, Peter teve uma ideia! No dia seguinte, tentaria fugir para o cais e sair num dos barcos que, ouvira dizer, resgatava pessoas que se encontravam na mesma situação. Procurou arrumar tudo o que cabia na pequena mochila azul e preta, que pertencia ao irmão, que infelizmente também desaparecera sob os escombros. Na manhã seguinte, o pequeno rapaz de 12 anos seguiu rumo ao cais, recordando, palavra por palavra, o que ouvira dos pais sobre aquele barco. Ali chegado, um homem alto, forte, com mau aspeto, começou a chamá-lo, quase em surdina. Peter ficou com medo, pois não conhecia o homem de lado nenhum. Teria ele boas intenções? Poderia tê-lo confundido? Ainda assim, seguiu aquela voz e viu-se de repente num barco de borracha, onde já se encontravam mais quatro famílias, com crianças e bebés. Sozinho, aceitou aquela “oferta”, mas havia um senão: não poderia levar nem a mochila nem o seu boneco. As lágrimas caíram-lhe pelo rosto, mas nada era pior do que continuar no horror do seu país. Atirou a mochila para o chão e abraçou com força o seu boneco. Saltou para dentro do barco e rapidamente percebeu o que o esperava: uma longa viagem à fome e ao frio, rumo a um futuro incerto. Conseguiu ultrapassar com coragem a viagem e acabou por adormecer. Ao acordar, deparou-se com pessoas a gritar, bebés a chorar e, saindo do barco, estava já atrás de três rapazes com quem tinha partilhado aquelas horas e com quem ia agora partilhar o mesmo cenário de tendas e algumas latrinas à mistura. Descobriu, então, onde estava: num campo de refugiados algures na Europa. Mal sabia o que o esperava… Os pais das outras crianças que com ele seguiam tinham sido presos, mas as crianças haviam sido acolhidas por voluntários de associações humanitárias que por ali se encontravam. Não conhecia ninguém, não sabia como ou com quem falar… nada parecia correr bem. Era um rapaz tímido e medroso. O que lhe iria acontecer? Iria sobreviver? No Afeganistão, o cenário era o mesmo. Vários terroristas invadiam a capital e os dias repetiam-se. Sarah, de 10 anos, via-se obrigada a cumprir várias ordens que, por alguma razão, só se dirigiam a mulheres. A sua vida parecia virada do avesso desde que fora obrigada a sair à rua sempre de cara tapada e acompanhada do pai ou do irmão mais velho. Ali, não havia direitos, não podia ir à escola, não podia falar com nenhum homem e, se não cumprisse todas as ordens superiores, podia, como as outras mulheres, ser chicoteada até à morte. O novo governo distribuía medo com a felicidade com que se dá um presente a alguém de quem gostamos muito. Os pais de Sarah não queriam, de maneira nenhuma, seguir aquele caminho de horror. Os filhos estavam a sofrer e eles, mais do que ninguém, queriam protegê-los. Pegaram nos passaportes e correram para o aeroporto, onde estava prevista a descolagem do grande avião militar que acolhia milhares de afegãos assustados, a pensar numa vida melhor. Depararam-se com centenas de pessoas desnorteadas e cansadas, aos encontrões umas contra as outras. Sarah sentiu as mãos grandes do pai a apertá-la com força, num misto de proteção e receio. Ao ouvir as portas a fechar, olhou uma última vez para o seu querido país e desejou correr de volta para casa, no entanto, sabia que isso tardaria a acontecer… se algum dia acontecesse. A viagem foi longa e difícil. Ao aterrarem, viram-se num sítio cheio de barracas rasgadas e, surpreendentemente, repleto de crianças. Sarah estava confusa. Onde estariam? Enquanto arrumavam os poucos haveres, Sarah ficou encantada com uma criança, aparentando ser da sua idade, que transportava um enorme balde de água. As semanas foram passando e a vontade da rapariga de o conhecer melhor tornava-se cada vez mais forte. Algo naquele rapaz, cujo olhar transparecia bondade, a cativava. Um dia, ganhou coragem, e abordou-o. Soube então que era sírio e chamava-se Peter. A partir dali, faziam tudo juntos: corriam, brincavam, aventuravam-se por entre as barracas e falavam horas a fio sobre os respetivos países, até anoitecer. Um dia, o pai de Sarah estava bastante atrapalhado, de volta da papelada que permitiria aos elementos da família serem considerados refugiados e poderem seguir a sua vida. Mas a menina nem ligou, só pensava em estar com Peter. Saiu da tenda bem cedo pela manhã mas o pai impediu-a, mostrando-se furioso por ela querer constantemente encontrar-se com o rapaz. Para o pai, Sarah devia, sim, apoiar a família e não afastar-se para estar com um rapaz que não lhes era nada. Sarah ficou indignada: - Mas, pai, o Peter é a única pessoa que me compreende aqui! A guerra e tudo o que vivemos causa-nos tanta dor, todos devíamos ter um amigo, alguém em quem confiar! Em lágrimas, abraçou o pai, que ficou sem palavras, e correu, mais uma vez, para se encontrar com Peter. Assim continuou a acontecer, dia após dia, semana após semana, até que chegou o dia de a família de Sarah partir. A pequena não conseguia controlar as lágrimas. Abraçou Peter e desejou que o tempo parasse. Aquela amizade em tempos de guerra tinha sido a salvação de ambos, fazendo-os quase esquecer onde se encontravam e por quê. Juntos riram, choraram, desabafaram, fizeram planos, construíram sonhos. E, na hora da despedida, prometeram que jamais se esqueceriam um do outro, na esperança de que a vida os voltasse a juntar

bottom of page