Património
FESTIVAL
SEMENTE
1ª edição
No final da lavoura
o poeta não tem conta para fechar:
ele só possui
o que não se pode colher.
Afinal,
não era a palavra que lhe faltava.
Era a vida que ele, nele, desconhecia.
-Mia Couto
O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira.
Com lâmina de enxada
a palavra fere o tempo:
decepa o cordão umbilical
do que pode ser um chão nascente.
E foi entre o semear de poemas, arte, cultura e consciências sustentáveis que encontrámos a terra, a nossa Mamarrosa, com sonhos a despontar e vida que sempre soubemos que nela existiria. Durante três dias (18, 19 e 20 de março), centenas de pessoas experienciaram pela primeira vez o Festival Cultural Semente, uma iniciativa da PROMOB em parceria com a Galeria Olga Santos, que encheu os lugares da emblemática vila com música, artes plásticas, poesia, palestras e uma feira do livro e da árvore.
Com ateliers de leitura e de aproximação à natureza para crianças, exposições de arte e fotografia, apresentações de livros, performances artísticas e palestras de diversas associações, a programação que acompanhou a feira do livro e da árvore (composta por livreiros, alfarrabistas, artesãos e vendedores de sementes e árvores) pretendia a reconexão dos participantes à terra, em todos os seus sentidos – “Terra” como planeta, como solo e como lugar em que habitamos.
Foi, também, “Terra” o mote de uma tertúlia central do Festival, que juntou figuras como Carlos Fiolhais (físico), Ulisses Azeiteiro (biólogo), Olga Santos (arquiteta), Valdemiro Pereira (economista), Catarina Pereira (comunicadora) e Belino Costa (escritor). Moderada por Oriana Pataco (jornalista), esta conversa tornou-se um elogio às pequenas vilas, suas histórias e identidades, e uma reflexão sobre o papel do homem na preservação da Terra, na promoção da comunidade, da solidariedade e na criação da arte e de espaços de partilha de ideias e cultura.
As exposições permanentes agraciaram vários espaços desocupados da Mamarrosa, como antigas adegas e destilarias. “Desde a Semente”, em colaboração com a Quinta Pedagógica Aidos da Vila, encheu o edifício dos antigos correios com centenas de sementes, como pequena amostra do espólio deste projeto do concelho de Anadia que conta com mais de um milhar de espécies de todo o planeta. “Mulher Terra”, inspirada na vida e obra da poetisa Mamarrosense, Rosinda de Oliveira, contou com obras de mais de trinta (30) pintores, escultores e artistas plásticos. “Da Terra ao Céu” ocupou antigas adegas e destilarias da vila com obras de alguns desses artistas. E os participantes do curso de fotografia da PROMOB viram os seus trabalhos exibidos numa exposição que compunha o salão onde decorria a feira do livro e da árvore.
A ligação à terra e ao livro, ideia que se repetiu durante todo o Festival, culminou em várias palestras sobre preservação da natureza e a importância da leitura, apresentações de livros, e uma caminhada literária pelos lugares icónicos da Mamarrosa e suas instituições culturais e recreativas.
Os alunos do Conservatório de Música da Bairrada completaram o Festival, atuando em duas ocasiões: um concerto com poesia “In Vino Veritas”, uma ode à Bairrada, ao vinho e à identidade rural; e um atelier de pintura inspirada na música erudita tocada por estes alunos ao vivo.
Com grande satisfação, assistimos à mobilização das pessoas, de miúdos a graúdos, em torno das atividades que promovemos, dos valores da cultura, educação, sustentabilidade e conservação da natureza, e da dinamização dos espaços e instituições das comunidades locais.
Despedimo-nos da Semente, até à próxima edição, como quem abraça um novo ciclo de sol ao peito e sonhos cada vez mais vivos. Obrigado a todos os que tornaram possível este Festival. Dos sonhadores aos participantes, visitantes e patrocinadores. Mas, sobretudo, aos nossos voluntários, também eles sementes, raízes, caules, ramos e frutos.
Até breve!